("Outcast"; fotografia de Worthless656, no deviantArt. Todos os direitos reservados)
Falo contigo e percebo quão díspares são as nossas realidades, quão distantes são as nossas formas de ver o mundo em que ambos vivemos. Nele, tu encaixas perfeitamente - e isto não é um insulto. Bem pelo contário: admiro a tua capacidade de adaptação, e a tua aguçada perspicácia a compreender como funcionam as diferentes engrenagens da vida, sem que isso implique sacrificares quem és. Essas qualidades eu não possuo. Sou incapaz de me adaptar sem fazer compromissos. Sobretudo porque não entendo a utilidade desse compromisso, ou dessa adaptação. Vejo o erro não em mim, mas fora de mim, no mundo em que vivemos, com aspectos e facetas que sou absolutamente capaz de compreender. Claro que, feitas as contas, não importa onde reside o erro: a realidade é o que é, e o problema acaba por ser só meu. Também por isso admiro a forma como evitas tornar-te numa inadaptada.
("Dark and foggy street"; fotografia de Mattias Björlevik, na sua página pessoal. Todos os direitos reservados)
Assim termina mais uma ilusão. Termina da melhor forma possível, com uma impossibilidade evidente. Termina antes mesmo de ter começado; sem dor, sem mágoa, sem ressentimento. Apenas com uma difusa sensação de vazio, como te tivesse deixado escapar qualquer coisa importante. Talvez tenha. Prefiro acreditar que não, e que o caminho que agora se desvanece na noite nunca de facto existiu.
("Just walk away"; fotografia de Anton K.K. Todos os direitos reservados)
Há momentos em que tenho vontade de nunca mais falar contigo, de sair de cena para não mais regressar. Não por causa do nosso passado, que já é distante; nem por causa do nosso presente, que balança entre o amistoso e o inexistente. Essa vontade surge de um tom momentâneo que por vezes adoptas comigo, de uma ou outra palavra que sei não ser mal intencionada mas que secretamente detesto. E surge, acima de tudo, de uma sensação difusa que tenho: de que seria muito melhor para mim se estivesses tão longe quanto possível.
("Punto de Vista"; fotografia de Martin Orozco, no Flickr. Todos os direitos reservados)
Não te perguntei onde íamos. Não achei que fosse importante. Como dizia Alice, quando não sabemos onde queremos ir, qualquer caminho serve. Era irrelevante para mim o nosso destino, tão irrelevante como a chuva lá fora. Limitei-me a acompanhar-te em silêncio. No fundo, é a única coisa que resta entre nós, a única coisa que ainda vale a pena estimar.
("Someone hit the light"; fotografia de Fabio (NyYankee), no Flickr. Todos os direitos reservados)
É mais ou menos isto. Em espera, a vida. Não sei exactamente do quê. Está em espera, apenas.
("Bokeh"; fotografia de Volker Wurst, no Flickr. Todos os direitos reservados)
A minha vedação é antiga. O arame enferrujado serve mais para suporte às aranhas do que para afastar intrusos. Mas continua a cumprir a sua função, indiferente à sucessão do dia e da noite, das estações do ano. Indiferente a quem passa. Os espinhos enrolados, apesar da sua ferrugem, continuam a oferecer uma protecção. Continuam a dizer a quem chega: podes passar, mas não o farás impunemente. Que tenhamos de nos rodear de arame farpado para nos conseguirmos isolar reflecte bem quão estranhos são estes tempos em que vivemos.
("Drunken Mouth Indifference"; fotografia de NyYankee, no Flickr. Todos os direitos reservados)
Ainda faltam muitos dias até ao último. Ainda há muito tempo para caminharmos por entre espinhos. Ainda sobra muito tempo para me agredires - e para eu te ignorar. Ah, a indiferença, a perfeita resposta à agressão. A mesma indiferença que irá ditar o nosso silêncio em cada um dos dias que se seguirem ao último.
(Fotografia de niascissorhands, no photobucket. Todos os direitos reservados)
Gerou-se entre nós um silêncio invulgar. Não de cumplicidade, como seria de esperar, mas de distância. De uma distância visível, mas difícil de compreender. Querias dizer algo que não disseste, que não sabias como dizer. Procuravas uma palavra que nunca chegou. Eu permaneci em silêncio a ver a cidade nocturna, a chuva a bater nos vidros quando as luzes amarelas passavam por nós. Sentia-te na distância, sabendo que o meu isolamento resultara. Houve momentos insuportáveis. Em que apetecia pedir-te que parasses e sair, ir para a noite e para a chuva. Talvez isso tivesse feito mais sentido. Para ambos.
(Fotografia de autor desconhecido)
Não sei se a armadilha era intencional, mas tentaste montá-la, e levar-me a nela cair. Seria de esperar, após as palavras trocadas ao início da noite, após a confusão que atravessou o teu olhar. Percebeste (percebes sempre) que alguma coisa estava errada, fora do sítio, deslocada. Querias uma oportunidade para descobrir o que era. Não ta dei. No momento em que deitaste a rede, eu desviei-me. Já to tentei dizer uma vez, mas não quiseste ouvir. Falar com alguém nem sempre ajuda. A partir de certo ponto, quase nunca ajuda.
("Snail in the Rain"; fotografia de Helen Wilson, na página do Australian Museum. Todos os direitos reservados)
Há momentos em que tudo parece parar. Até o tempo. Como se a nossa percepção do tempo, já de si distorcida, se fragmentasse por completo. Como se o tempo estivesse suspenso, como se tudo se movesse ainda com um propósito, mas de forma quase estática. Como se tudo em nosso redor se tornasse subitamente nítido, como se compreendêssemos todas as causas de todas as coisas, mas ainda assim fôssemos incapazes de prever as consequências. Mas é nestes momentos em que tudo parece parar que, na verdade, tudo se move mais rapidamente.