(Imagem de autor desconhecido)
De certa forma, lamento a tua desistência (se é que realmente desististe). O jogo que estávamos a jogar era mais estimulante do que eu alguma vez imaginei. Mas a prazo, o resultado seria trágico, e tu sabe-lo tão bem quanto eu.
(Fotograma de Alice in Wonderland (2010), filme de Tim Burton)
A tua quase-paranóia sempre assentou nessa procura do mais pequeno indício que pudesse comprovar as tuas teorias e dar-te razão. A interpretação desses indícios era quase sempre mirabolante, e invariavelmente errada. Mas esse tempo passou. Tudo me deu a entender que eu já faria parte das memórias antigas, e que a tua vida brilhava como um sol, em todo o seu esplendor. Enganei-me. Hoje, gostaria de dizer que me surpreende o teu ataque, mas isso não seria verdade. Sempre foste francamente previsível, e, pior, o teu estado quasi-paranóico não desapareceu. Eu fui apenas quem to permitiu durante largos meses.
("Memories"; fotografia de Anita Suchocka, no deviantArt. Todos os direitos reservados)
A vida tem-me proporcionado a oportunidade de eliminar uma série de memórias, eliminando a sua origem e tornando a sua presença diária numa ausência permanente e irreversível. Creio ter sorte nesse aspecto, ao poder dormir, todas as noites, sem nada que me recorde o passado mais sombrio em meu redor. Apenas o mais próximo, mas a manter o ritmo, não por muito mais tempo. Em breve, espero, todo este período da minha vida será apenas um quarto vazio, onde caminharei pela última vez.
(Fotograma de House, M.D. (2004-2010), série de David Shore)
A amizade suporta desafios, mas apenas quando esses desafios são espontâneos. E o teu não foi: foi apenas uma provocação, inútil e vagamente mesquinha. Todos o sentimos, mas ninguém to disse. Como todos já nos apercebemos das mudanças que conheceste, da constante frieza, da barreira invisível que ergueste entre tu, eu e o resto do mundo. No meu caso, diria que isso é merecido; mas em termos gerais, diria que o desafio tem vindo a causar demasiados estragos, e não consigo compreender o que te leva a querer isso. Talvez queiras compreender onde estão os limites da amizade. Mas lembra-te de que a linha é fina, e que às escuras é muito fácil ultrapassá-la sem nos apercebermos disso.
(Fotografia de autor desconhecido)
Escrever este blogue é quase equivalente a jogar às escondidas. Escrevê-lo durante seis meses, cento e oitenta e três dias seguidos, significa portanto que encontrei um esconderijo muito bom. Nada que não soubesse já: já me olharam nos olhos vezes sem conta, e nunca me viram. "Nunca conhecemos verdadeiramente alguém", diz-se. Sem dúvida.
(Imagem de autoria desconhecida, apesar de a imagem em si ser bastante conhecida)
Diria que a destruição da Torre de Babel pela fúria divina terá sido a maior tragédia da humanidade.
(Fotografia de autor desconhecido)
Podia fazer algo. Tomar uma atitude. Mas não creio que seja necessário fazê-lo. O tempo, como sempre, encarregar-se-á de resolver o problema. Encarrega-se sempre. É deixá-lo seguir o seu curso, vagaroso mas inexorável. Os ponteiros marcam o compasso. Sentamo-nos e esperamos, enquanto assistimos à lenta dissolução da realidade em memórias.
(Fotografia de autor desconhecido)
Lembras-te daquela tarde? Chovia. Abrigámo-nos da chuva torrencial debaixo de um toldo verde e gasto, à porta de uma loja que, hoje, ninguém já frequenta. Eu e tu, juntos, sob o toldo e a chuva. Chovia muito. Noutro tempo, talvez a chuva não fosse incómoda. Talvez nos tivéssemos beijado à chuva. Nunca o fizemos (outra promessa nunca cumprida). Naquele dia não demos sequer as mãos. Estavam frias, as minhas. Como nós. Sabíamos já da nossa derrota; e aquele breve momento em que nos abrigámos da chuva em silêncio permitiu-nos compreender a distância que já então nos separava. Ontem, voltou a chover. O cheiro da terra molhada cobriu a cidade. Sempre me fez sentir bem, a terra molhada; mas desta vez aquele cheiro tão agradável trouxe consigo uma nota de tristeza. Senti a tua falta, ontem, mais do que em qualquer outro dia. E, mais do que qualquer outra coisa, lamentei tanto nunca te ter beijado à chuva.
(Fotografia de autor desconhecido)
Nem todos os caminhos devem ser percorridos. Por vezes damos por nós a caminhar na direcção de um beco sujo, escuro e sem saída à vista.
(Fotografia de autor desconhecido)
Apaixonar-se é mais ou menos equivalente a embebedar-se. Bem sei que a metáfora já foi muito usada, mas não deixa por isso de constituir um bom ponto de vista. A verdade é que, como no álcool, começamos a medo. Provamos e gostamos. Tendemos a abusar. A sensação é inebriante, vicia-nos a progressiva perda de controlo, e quanto mais experimentamos, mais queremos experimentar. Toma-nos uma ousadia e uma imprudência que não nos são naturais. Fazemos coisas que em circunstâncias normais nem sequer ponderaríamos fazer. E quando a sensação acaba, acaba com estrondo, deixa marcas e no dia seguinte, quando acordamos e nos sentimos pessimamente, juramos: nunca mais. Até à próxima vez.