(Fotograma de Le Fabuleux Déstin D'Amélie Poulain (20019, filme de Jean-Pierre Jeunet)
Hoje, resta-nos o silêncio. Algo que não era impresivível, dado o nosso início fulgurante. Ou melhor: dado o meu início fulgurante, fruto de um entusiasmo assente em vidro muito frágil. Entre nós, existiam (existem) semelhanças, não compatibilidades; e os conceitos não não sinónimos. Os gostos e os interesses que partilhamos significam por isso apenas a coincidência, e nada mais. Não se constrói uma relação com base nas semelhanças, como não se constrói o que quer que seja com base na coincidência (para além de teorias da conspiração). Claro que não chegámos sequer às imediações do "pensar em construir algo", mas a ideia serve para sustentar outra tese: a de que é muito fácil iludirmo-nos. No fundo, é disso que eu estou sempre a falar.
("Alone in the crowd"; fotografia de Hakki Ozsalih, no Trek Earth. Todos os direitos reservados)
Há pessoas que se destacam na multidão. Olha-se para elas e percebe-se: elas não pertencem ali, não fazem parte da multidão, não enxaixam no cenário. Mas essas pessoas não são as verdadeiras solitárias; afinal, nelas toda a gente repara. A verdadeira solidão reside em muitos rostos anónimos e indistinguíveis da multidão, nos quais ninguém repara, para os quais ninguém perde um segundo a olhar com atenção: são apenas uma parte da grande mancha humana, homogénea na sua heterogeneidade, desconhecida, imaterial. Podemos desesperar na solidão das quatro paredes do nosso quarto, mas não existe lugar mais solitário do que uma multidão.
(Fotografia de autor desconhecido)
Há dias assim, carregados, negros como breu, onde a única luz que os ilumina é mais violenta e perigosa que a própria escuridão. Há dias em que nos dividimos entre a vontade de sair para ver a tempestade, e a vontade de nunca sequer neles acordar.
("Park bench couple 1", fotografia de Erdal Redjep, no seu blogue pessoal. Todos os direitos reservados)
De ti, ficam as memórias. Fica a memória de duas ou três conversas intermináveis à distância. Fica a memória das noites em que queimava tempo em deambulações erráticas, para voltar àquela praça sempre à mesma hora, todos os dias, apenas para te ver quando saísses das aulas, apenas para estar contigo durante o tempo do autocarro que ambos apanhávamos. Fica a memória em que esperámos juntos pelo teu transporte numa paragem vazia, numa cidade há muito adormecida. Era Verão e as noites eram quentes; e aqueles momentos em que a tua companhia era só minha foram a única coisa que deu algum sentido àqueles meses. Desse tempo, restam as memórias, e duas músicas que me deste a conhecer. Sei que as amizades passam, que elas são por vezes efémeras, e que isso é inevitável; mas não consigo relembrar tudo isto sem sentir um vago sabor amargo.
("The Astronomical Clock, Prague, Czech Republic"; fotografia de Tudor Hulubei, na sua página pessoal. Todos os direitos reservados)
Sete meses. Não sei ao certo se assinalo a passagem do tempo a cada mês para contar o tempo que passou desde que isto começou, ou o tempo que falta até isto acabar.
(Fotografia de autor desconhecido)
O primeiro a se apaixonar, perde. É um facto. Tendemos a esquecer esse detalhe quando nos apaixonamos: apaixonarmo-nos, e assumirmos esse sentimento, deixa-nos de peito aberto à rejeição. E essa é uma vulnerabilidade que não conseguimos evitar desde o primeiro momento.
(fotografia de autor desconhecido)
O Outono é a mais bela estação do ano. A natureza em flor no final da Primavera é bela, mas não se compara à beleza rubra do Outono. A Primavera, o Verão, são estações de euforia alegre: o renascimento, os ramos em flor, os frutos coloridos, macios, doces e sumarentos. A euforia do Outono é diferente: tem um toque de tristeza, de melancolia. Há sempre uma pontinha de tristeza nas coisas mais belas. Os frutos de Outono são rijos, fechados. As folhas amarelas e encarnadas são belas, a sua cor a intensificar-se nos últimos momentos antes da queda. Os dias, cada vez mais escuros, cada vez mais frios, anunciam o longo Inverno. Nunca desejei tanto o Inverno. Nunca me senti tão bem por ter chegado o Outono.
("Sneaking Out"; fotografia de yyelsel ann, no flickr. Todos os direitos reservados)
Todos fazemos, a dado momento das nossas vidas, algo de que não nos orgulhamos. Algo que detestaríamos que alguém fizesse a nós. Algo que, apesar de ser errado, tem de ser feito. Precisamos de o fazer, precisamos desse meio para obter algo que desejamos, algo que diz respeito somente a nós; e por muito que desprezemos o meio, não o podemos evitar.
("Hatred"; fotografia de Alex(andra) Del-Rae, no seu deviantArt. Todos os direitos reservados)
Não consigo compreender o ressentimento. Aquele ressentimento que dura anos a fio, que nunca se esgota. Que nunca dá lugar ao perdão ou, pelo menos, ao esquecimento. A dor não dura para sempre. A mágoa não se arrasta eternamente; ela surge num momento, cresce aos soluços, atinge a sua dimensão máxima, aquela que nos cega e sufoca, e começa a consumir-se a si mesma. E passa a desvanecer-se um bocadinho a cada dia que passa. Quase não o sentimos, mas ela vai-se desvanecendo. Até se tornar numa memória de dor, distante, quase impessoal. Como se tudo aquilo tivesse acontecido a outra pessoa, noutra vida. Não compreendo o ressentimento alimentado a partir deste ponto. Entendê-lo como inevitável parece-me ser simplesmente errado.
(Fotograma de V for Vendetta (2005), filme de Larry e Andy Wachowsky)
O problema da vingança não é nem a nossa capacidade e determinação para a levar até ao final, ou as consequências que a sua execução acarretam para nós. Nada disso. O grande problema da vingança é o vazio que deixa dentro de nós após estar cumprida. É aquela difusa e amarga sensação de inutilidade, de frustração - movemos mundos e fundos para nos vingarmos, e feitas as contas, não ganhámos com isso, restou-nos apenas o vazio.